Sphere Institucional

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mai 04, 2023

O que é educação internacional bilíngue e quais são seus diferenciais?

AUTOR

Susan Clemesha

TEMPO DE LEITURA

10 min

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O que é educação internacional bilíngue e quais são seus diferenciais?

Muito se discute sobre os diferentes tipos de Escolas Bilíngues. O que as caracteriza, de fato? E as Escolas Internacionais, como se inserem no cenário brasileiro? De um modo bastante amplo, a Educação Bilíngue pode ser descrita como aquela que acontece por meio de duas ou mais línguas, ou seja, é realizada em escolas que oferecem mais de uma língua como meio de acesso, interação e construção de significado, em diferentes componentes curriculares. No Brasil, grande parte das Escolas Bilíngues privadas adotam o modelo bilíngue português-inglês, mas sabemos que existem outros tipos, como as Escolas Bilíngues de surdos, de línguas indígenas, de línguas de fronteira, de refugiados, portanto, sempre que falamos em Educação Bilíngue, é importante compreender o contexto específico dos estudantes.

Em 2020 o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, com o intuito de oferecer uma regulamentação em nível nacional para as Escolas Bilíngues. O documento, que ainda aguarda homologação, propõe algumas distinções entre Escolas com Carga Horária Estendida em Língua Adicional, Escolas Bilíngues, Escolas Brasileiras com Currículo Internacional e Escolas Internacionais.

Vamos tomar como base as Diretrizes mencionadas acima para lançar algumas reflexões que podem nos ajudar a ampliar a concepção de Escola Bilíngue e Escola Internacional.

 

Escolas Bilíngues

O Projeto de Resolução, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, diz que as Escolas Bilíngues são aquelas que oferecem um currículo único e integrado, visando ao desenvolvimento de habilidades linguísticas e acadêmicas. Também afirma que essas escolas devem adotar o modelo bilíngue em todos os ciclos oferecidos e que devem cumprir com a legislação e as normas que se aplicam à educação brasileira, a exemplo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Além disso, as Escolas Bilíngues devem preservar ao menos 50% de tempo de instrução em língua materna e um dos componentes curriculares da Base Comum deve ser realizado exclusivamente em língua adicional. Os professores, pedagogos ou especialistas, de acordo com as disciplinas e segmentos em que atuam, devem possuir comprovação de proficiência linguística de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR), além de graduação, especialização, pós-graduação ou curso de extensão com foco em educação bilíngue. Por fim, os alunos devem atingir níveis de proficiência linguística específicos, na conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

O currículo integrado: quais são as vantagens de realizar os componentes curriculares em duas línguas?

Percebemos, por meio da experiência de escolas em diferentes contextos, que a integração curricular não pressupõe que certas disciplinas sejam realizadas exclusivamente em língua adicional. Ao adotar diferentes componentes curriculares em duas ou mais línguas de instrução, ampliam-se as oportunidades de construção de significado de modo mais aprofundado. Não se trata de repetir os mesmos conteúdos e habilidades, mas sim de explorar conceitos amplos sob diferentes perspectivas, e por meio de diferentes línguas e linguagens, criando novas conexões para a construção do conhecimento. Importante ressaltar que, para que a integração aconteça de forma intencional, progressiva e dinâmica, é necessário que os educadores disponham de tempos dedicados ao planejamento colaborativo.

A importância da língua materna para o desenvolvimento da língua adicional

Outro ponto importante seria a discussão sobre os tempos mínimos de instrução em língua materna e adicional. As Diretrizes estipulam que as Escolas Bilíngues devem oferecer um mínimo de 50% da carga horária em língua materna. Escolas bilíngues e internacionais, por vezes, assumem que experiência da imersão impulsiona a aprendizagem da língua adicional. Por isso, organizam alguns ciclos de ensino, em geral a Educação Infantil, somente ou majoritariamente em inglês. Pensando em uma educação para a inclusão de todos, partimos da noção que toda criança tem o direito de aprender em sua língua materna (UNESCO, 2007). Apoiar o desenvolvimento da língua materna traz benefícios não apenas para a comunicação e construção do conhecimento, mas também para a constituição da identidade e do repertório cultural. Além disso, possibilita mais oportunidades de desenvolvimento de habilidades metalinguísticas e flexibilidade cognitiva. Sendo assim, é importante que os tempos em cada uma das línguas seja intencionalmente planejado, buscando a integração nos aspectos da linguagem e dos conteúdos escolares.

Na Sphere International School, por exemplo, a rotina da Educação Infantil é realizada em língua inglesa e aulas de artes, música e educação física são ministradas em português, possibilitando que as crianças cantem, brinquem e desenvolvam a oralidade na língua materna. A partir dos 4 anos, momentos de alfabetização e letramento também em português passam a fazer parte do currículo. No Ensino Fundamental Anos Iniciais, aproximadamente 50% das aulas são realizadas em inglês e 50% em português. Já nos Anos Finais e no Ensino Médio, há um aumento da carga horária do aluno na escola, ficando 40% do tempo de instrução em inglês e 60% em português.

Avaliação de língua e conteúdo nas escolas bilíngues

Para finalizar nossa discussão sobre alguns pontos relevantes das Diretrizes e as Escolas Bilíngues, há que se pensar sobre formas de avaliar alunos para além dos aspectos linguísticos, uma vez que a Educação Bilíngue pressupõe o desenvolvimento integral. Ofélia García (2009), pesquisadora em Bilinguismo e Educação Bilíngue, afirma que um falante bilíngue não é o mesmo que a somatória de dois monolíngues. Existe um terceiro espaço que caracteriza a identidade de sujeitos bilíngues e é justamente nessa intersecção que as Escolas Bilíngues atuam.Nessa visão, as línguas de uma pessoa não são divididas como duas estruturas separadas. Por mais que existam situações ou contextos próprios para o uso de cada idioma os estudantes mobilizam seu repertório linguístico de modo único durante as interações e o processo de construção de significado. Avaliar o uso de línguas por falantes bi/multilíngues inclui identificar como são acessadas e utilizadas em situações do dia-a-dia e nos diversos componentes curriculares. Avaliação de língua e conteúdo, portanto, deve ser um foco das Escolas Bilíngues, buscando a integração dos processos avaliativos nas duas (ou mais) línguas de instrução.

Vamos falar agora sobre as Escolas Internacionais. Como podem ser caracterizadas e como funcionam no Brasil?

Historicamente, as Escolas Internacionais se instalaram no Brasil para atender a um público predominantemente estrangeiro. Apesar do quadro de alunos ter se nacionalizado consideravelmente, muitas dessas escolas, ainda hoje, são vinculadas a um país estrangeiro, possuem professores internacionais, oferecem instrução majoritariamente em língua adicional  e seguem o calendário letivo do país de origem. Exemplo disso seriam as escolas americanas, britânicas, alemãs, entre outras.

O que observamos nos últimos anos é uma tendência de globalização das escolas internacionais, assim como uma mudança de perspectiva linguística em Escolas Internacionais ao redor do mundo.  Com os avanços da tecnologia e a aceleração dos processos de globalização, as interações entre as pessoas ficaram mais dinâmicas e fluidas. Se antes as escolas internacionais apoiavam-se em uma única língua e cultura de prestígio internacional, o movimento que se observa hoje é de valorização do multilinguismo e do multiculturalismo. Nesse contexto, não cabe falar em uma Escola Internacional “estrangeira”, mas sim em uma Escola Internacional que visa ao desenvolvimento da interculturalidade e da cidadania global, por meio de duas ou mais línguas e múltiplas linguagens.

Diferentes línguas e linguagens

Em uma visão de língua como repertório e de bilinguismo dinâmico, as pessoas interagem em diferentes situações de comunicação de acordo com seus repertórios singulares, constituídos por vivências cognitivas e emocionais. Cada um lança mão dos recursos linguísticos e semióticos que dispõe para a construção de significado. Essa mobilização de recursos pode ser compreendida como Translanguaging (GARCÍA; WEI, 2014), conceito que vem sendo discutido cada vez mais na Educação Bilíngue e Internacional. Nas escolas, práticas translíngues podem ser propostas como modo de expandir as possibilidades de inclusão, engajamento e pensamento. Por exemplo, a partir de contextos locais ou globais, os estudantes exploram e problematizam questões que se conectam com as demandas curriculares, envolvendo-se ativamente no processo de aprendizagem. Os “níveis linguísticos” não impedem que todos sejam incluídos, quando partimos da noção que não apenas uma língua mas diferentes línguas e linguagens,  como a tecnologia, a arte, a música, a expressão e o movimento podem e devem ser utilizados. Com isso, o bilinguismo é inserido em um contexto maior, o do multilinguismo

Multiculturalismo e interculturalidade

Outro elemento essencial das escolas internacionais é o multiculturalismo, na perspectiva intercultural. Em uma visão monolíngue e monocultural, uma única língua e cultura são vistas como hegemônicas e poucos espaços se abrem para conhecer e explorar o diverso, o que “pertence ao outro”. Nessa visão, as línguas são separadas e pode haver uma valorização de uma em detrimento da outra.

Voltando ao texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, cabe ampliar a concepção de Escola Internacional para além de escolas “vinculadas a outros países, de onde emanam as suas diretrizes curriculares” (2000, p.25). Compreendemos que, tradicionalmente, essa seria uma maneira de caracterizar a Escola Internacional, porém, a perspectiva da interculturalidade talvez seja hoje uma das mais importantes bases para a construção do currículo internacional. Ian Hill (2016, p. 9), em seu artigo What is an International School?, problematiza a Educação Internacional ao afirmar que “nem todas as escolas internacionais oferecem uma educação internacional (uma educação para a mentalidade internacional)”.

Mentalidade Internacional e o IB

Mas o que seria então a mentalidade internacional? Escolas chanceladas pelo International Baccalaureate (IB) compreendem a Educação Internacional como aquela que busca formar jovens conhecedores, indagadores e solidários, preparados para fazer uma diferença positiva no mundo. Para isso, realizam um currículo pautado em conceitos e organizado por meio de projetos, em duas ou mais línguas. A aprendizagem é situada em contextos locais, nacionais e globais, e as propostas de ensino-aprendizagem visam ao desenvolvimento físico, intelectual e socioemocional. O Perfil do Aprendiz (Learner Profile)  é o fio condutor, representado por dez atributos das pessoas de mentalidade internacional: indagadores, de mente aberta, audazes, comunicadores, equilibrados, com princípios, conhecedores, pensadores, reflexivos e solidários (ibo.org).

A Sphere International School, localizada em São José dos Campos – SP, é uma das poucas escolas brasileiras autorizada a oferecer os programas do International Baccalaureate (IB), desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, por meio do Primary Years Programme (PYP), Middle Years Programme (MYP) e Diploma Programme (DP). A rede de escolas Sphere, em fase de expansão pelo Brasil, é apoiada durante o processo de implantação, autorização e manutenção dos programas, a partir das práticas bem sucedidas da unidade de referência e da solidez e expertise do Grupo SEB, um dos maiores grupos de Educação Básica no Brasil. O modelo de Educação Internacional Bilíngue adotado pelas escolas Sphere possui como foco:

  1. Promover uma educação integrada e integral, buscando o equilíbrio entre o físico, o intelectual e o socioemocional;
  2. Promover a mentalidade internacional por meio de um currículo internacionalmente reconhecido;
  3. Desenvolver a interculturalidade, a cidadania global e o reconhecimento de que compartilhamos um único planeta;
  4. Desenvolver a criticidade e a visão de sustentabilidade social e ambiental;
  5. Realizar instrução em duas ou mais línguas e por meio de múltiplas mídias e modalidades;
  6. Valorizar as línguas maternas de seus estudantes, estimulando processos de ampliação constante do repertório linguístico de cada um;
  7. Utilizar a tecnologia e uma diversidade de recursos para engajar o estudante, personalizar a instrução e permitir mobilidade em contextos locais e globais;
  8. Desenvolver habilidades disciplinares e transdisciplinares de “aprender a aprender”, necessárias à identificação e resolução de novos problemas;
  9. Realizar avaliações reconhecidas nacionalmente e internacionalmente, ao final do Ensino Médio, possibilitando o ingresso no ensino superior no Brasil e no exterior;
  10. Estimular o reconhecimento da singularidade de cada um, assim como a valorização da diversidade e o senso de coletividade e pertencimento.

Educação Internacional Globalizada

Nossa discussão vem enfatizar que educação internacional não é sinônimo de educação estrangeira. Existem diferentes concepções de escolas internacionais, podendo incluir as escolas estrangeiras, mas também as Escolas Globalizadas.

Escolas Globalizadas, em que se inserem as escolas Internacionais Bilíngues, são ancoradas na cultura local e conectadas a uma visão de mundo globalizado, em que há um compromisso com uma humanidade compartilhada. Os avanços científicos e a inovação não estão separados de uma visão de sustentabilidade social e ambiental.

O currículo da Escola Internacional Bilíngue é intencionalmente articulado de modo a promover oportunidades de resolução de problemas reais. Para isso, não apenas conteúdos, mas conceitos amplos e conhecimentos aprofundados são constituídos por meio de uma abordagem investigativa, problematizadora e contextualizada. Uma perspectiva multilíngue e multicultural valoriza o repertório linguístico e cultural dos estudantes, assim como amplia a oportunidade de explorar saberes por diferentes pontos de vista. A diversidade é valorizada na busca por espaços mais equitativos de aprendizagem, em que todos são pertencentes.

Sendo assim, não basta seguir um currículo estrangeiro ou adotar materiais e exames internacionais para oferecer uma Educação Internacional. Acreditar em uma Educação Internacional transformadora significa comprometer-se com  a formação das próximas gerações para um mundo melhor e mais sustentável. Significa criar uma cultura escolar guiada por princípios e práticas que possibilitem que esse discurso se torne realidade, não somente como um objetivo final, mas por meio de ações que se concretizam todos os dias.

Referências:

GARCÍA, O. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. West Sussex: Wiley-Blackwell, 2009.

GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. Language, Bilingualism and Education. Palgrave MacMillan: Basingstoke, UK. 2014

HILL, I. What is an International School Part 2. International Schools Journal. Volume XXXV. Number 2. 2016.

INTERNATIONAL BACCALAUREATE ORGANIZATION. The Learner Profile. 2013. 

MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta da Educação Plurilíngue, 2020.

 

Autora:
Susan Clemesha - diretora acadêmica rede Sphere International School