Sphere Institucional

/

nov 03, 2022

Liderar para a aprendizagem: Inspirações para levar para a escola

AUTOR

Clara Cecchini

ASSUNTO

Educação

TEMPO DE LEITURA

10 min

COMPARTILHE

“Liderança e aprendizagem são indispensáveis uma à outra”. 

Alguma ideia de quem disse isso?

Essa frase faz parte da mítica de um dos eventos traumáticos mais midiatizados do Século XX: o assassinato de John F. Kennedy em Dallas em 22 de novembro de 1963. Compunha o discurso presidencial planejado para aquela data e nunca proferido.

Em que pese a necessária crítica ao ufanismo norte-americano, à aura que envolve tudo o que se refere ao autor do discurso ou à complexidade do momento histórico, a ideia de que liderança e aprendizagem são indispensáveis uma à outra é muito potente e atual. Não apenas na perspectiva do líder que se dá a conhecer como alguém que precisa seguir aprendendo, pela própria essência de seu trabalho, como também pela sua responsabilidade em manter vivo o aprendizado coletivo

A aprendizagem é indispensável para que o líder possa construir o caminho entre a intenção e a realização de um propósito. Essa é uma questão em pauta para líderes dos mais diversos segmentos de negócio. Para quem atua com educação, ganha ainda mais importância. Como liderar para uma cultura de aprendizagem que extrapole o ensino na sala de aula e permeie todas as relações na escola?

Algumas ideias simples e práticas, emprestadas de líderes e estudiosos de diversos setores, podem ajudar a colocar a aprendizagem no seu modo de liderar. 

Lembre do Kennedy: coloque no discurso

Está aí algo que é de graça e faz bem: falar sobre a aprendizagem no processo de trabalho. Principalmente quando estamos liderando. E muito além da discussão da prática dos professores na sala de aula. O que nós estamos aprendendo com as discussões que temos e as decisões que tomamos como equipe escolar?

Um passo fundamental nesse caminho é mudar a forma como lidamos com o erro. Amy Edmondson, professora da Harvard Business School, comentando sobre o erro, diz que: “até que um líder, de maneira explícita e ativa, torne isso [errar] psicologicamente seguro, as pessoas automaticamente procurarão evitar a falha” (A Organização sem Medo, p. 166, grifo meu). Nesse livro ela defende, com base em inúmeras pesquisas, a importância da segurança psicológica como elemento que habilita o aprendizado, a inovação e o crescimento – não é suficiente para garanti-los, mas é premissa para que se desenvolvam.

O pensamento analítico e a ação intencional devem permear a ação do líder em relação aos erros. Da culpabilização imediata e punitiva – que Edmondson chama neste outro excelente artigo de blame game (jogo da culpa) – estamos tentando passar para frases de efeito que resolvem tudo, como “errar rápido para aprender rápido” ou “aqui toleramos o erro”. Frases que não passam de generalidades. E nas quais ninguém acredita, porque atrás de uma aparente boa intenção está escondido algo que não é verdadeiro. Não é verdade que todo erro rápido leva ao aprendizado; nem que todos os tipos de erro são toleráveis (alguns inclusive colocam vidas em risco, em plantas industriais por exemplo). O que Edmondson nos diz é que precisamos aprender a analisar o erro e agir em relação ao ocorrido em cada contexto específico, desenhando um caminho intencional entre o erro e o aprendizado. Isso não se dá de forma automática.

Falar não basta: pequenas práticas que, em conjunto, levam a grandes resultados. 

Como fomentar a aprendizagem da equipe fora da sala de aula? Não em tudo o que fazemos, mas em grande parte, há oportunidades escondidas. Quem lidera pode desenvolver a mente investigativa e gerar muito mais aprendizado investindo um pouco mais de tempo e energia. 

Atitudes e reações

A autopercepção é fundamental para fomentar a aprendizagem enquanto executamos outras tarefas. Quando lideramos, estamos sendo constantemente observados e nossas reações compõem uma interpretação sobre o que valorizamos ou deixamos de valorizar. Por isso, quanto mais conscientes ficarmos dessas reações, melhores líderes seremos. 

Se você quer liderar para a aprendizagem, sugiro:

Ter atenção à postura quando alguém está apresentando uma ideia, especialmente se ela ainda não está completamente formatada. Uma equipe que só se comunica “defendendo ideias” não abre espaço para a colaboração e serendipidade. A postura corporal, expressão facial e reações verbais do líder são essenciais para criar espaço seguro para a exposição do que ainda é frágil – e que pode revelar ser uma preciosidade.

Outra reação que cria a confiança necessária ao ambiente de aprendizagem na sua equipe é a forma como você age quando erra. Assumir erros, mudar de ideia, rever decisões – não ter só certezas – são fundamentais para o líder forjar uma cultura de aprendizagem. Com certeza existem assuntos que sua equipe domina muito mais do que você, e ser capaz de se colocar como colaborador – e não como chefe – faz com que todo mundo aprenda mais. A professora Edmondson chama isso de “humildade situacional” (p.165). 

Para isso, despersonalizar a avaliação do trabalho também é fundamental. Criar critérios claros e compartilhados, com foco no propósito, são chave para que as pessoas desenvolvam autonomia para trabalhar e para aprender. Você não está na liderança para ser “agradado”, mas para ajudar o time a chegar a lugares novos, que não necessariamente você sabe quais são.  

Liderança em transição: não estamos sozinhos

Em workshops que facilito para líderes de vários setores, quando aprofundamos nas discussões e nas reflexões, percebo sempre uma grande angústia. De forma geral, percebem que o “modo comando e controle” não serve mais, mas não sabem como fazer diferente, na prática. Nesse momento, acho sempre importante lembrar que não somos nós que somos insuficientes ou inadequados: a transformação é cultural (no sentido amplo), novos valores estão se consolidando e novas formas de fazer precisam ser incorporadas para que eles virem realidade. 

Fazemos parte da construção de novos paradigmas. Colocar-se no modo aprendizagem e falar sobre isso, vulnerabilizando-se, é o único jeito sustentável de fazer essa transformação.

A boa notícia é que essa forma de agir que construirá o futuro, questionadora e um tanto rebelde, faz parte da humanidade há muito tempo, mas foi sufocada pela nossa necessidade de certezas e eficiência. 

Se começamos com uma citação da segunda metade do Século XX, vamos voltar a uma que eu amo e que remete ao final do XIX:

“Nem sempre sou da minha opinião.”
Atribuída a Paul Valéry

 

Clara Cecchini

É entusiasta dos processos de inovação e design ligados às dinâmicas do conhecimento. Graduada em Artes Cênicas pela UNICAMP, com MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão pela Fundação Getúlio Vargas e formação complementada na Schumacher College (Inglaterra) e na Kaospilot (em curso realizado pela escola dinamarquesa no Brasil).

Passou por diversos setores em sua carreira, de governos a grandes corporações, de ongs a escolas de negócios. Desde 2018, atua como consultora em aprendizagem em projetos de alta complexidade em diversos setores, como bancos, indústria, bens de consumo, entre outros.

É coautora, com Alexandre Teixeira, do livro Aprendiz Ágil: lifelong learning, subversão criativa e outros segredos para se manter relevante na Era das Máquinas Inteligentes (2020) É colunista no site O Futuro das Coisas e membro do Conselho Editorial da Revista Educação. Atua como palestrante. É consultora e parceira na teya ecossistema.